quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

INTRODUÇÃO À SOCIOLOGIA (Material de Apoio) - PARTE 1

Parte I : Construção Sociológica da Realidade

Os fundamentos da reflexão sociológica a partir da problematização do mundo social.

Para alguns, a Sociologia representa uma poderosa arma a serviço dos interesses dominantes; para outros, é a expressão teórica dos movimentos revolucionários. Mas afinal, o que é Sociologia ?

A Sociologia é uma ciência que estuda as sociedades humanas e os processos que interligam os indivíduos em associações, grupos e instituições.

Enquanto o indivíduo isolado é estudado pela Psicologia, a Sociologia estuda os fenômenos que ocorrem quando vários indivíduos se encontram em grupos de tamanhos diversos, e interagem no interior desses grupos.

Pondo-se de lado alguns trabalhos precursores, como os de Maquiavel ( Itália em Florença, 1469 - 1527) e Montesquieu ( França em Bordéus, 1689 - 1755), o estudo científico dos fatos humanos somente começou a se constituir em meados do século XIX. Nessa época, assistia-se ao triunfo dos métodos das ciências naturais.

Diante da comprovação inequívoca da fecundidade do caminho metodológico apontado por Galileu ( Itália em Pisa, 1564 - 1642) e outros, alguns pensadores que procuravam conhecer cientificamente os fatos humanos passaram a abordá-los segundo as coordenadas das ciências naturais. Outros, ao contrário, afirmando a peculiaridade do fato humano e a conseqüente necessidade de uma metodologia própria. Essa metodologia deveria levar em consideração o fato de que o conhecimento dos fenômenos naturais e um conhecimento de algo externo ao próprio homem, enquanto nas ciências sociais o que se procura conhecer é a própria experiência humana ( interna ).

De acordo com a distinção entre experiência externa e experiência interna, poder-se-ia distinguir uma série de contrastes metodológicos entre os dois grupos de ciências. As ciências exatas partiriam da observação sensível e seriam experimentais, procurando obter dados mensuráveis e regularidades estatísticas que conduzissem à formulação de leis de caráter matemático.

As ciências humanas, ao contrário, dizendo respeito à própria experiência humana, seriam introspectivas, utilizando a intuição direta dos fatos, e procurariam atingir não generalidades de caráter matemático, mas descrições qualitativas de tipos e formas fundamentais da vida do espírito.

Os positivistas (como eram chamados os teóricos da identidade fundamental entre as ciências exatas e as ciências humanas) tinham suas origens sobretudo na tradição empirista inglesa que remonta a Francis Bacon ( Inglaterra em Londres, 1561 – 1626 ) e encontrou expressão em David Hume ( Escócia em Edimburgo, 1711 – 1776 ), nos utilitaristas do século XIX e outros. Nessa linha metodológica de abordagem dos fatos humanos se colocariam Augusto Comte ( França, 1798 – 1857 ) e Émile Durkheim ( França, 1858 – 1917 ), este considerado por muitos como o fundador da sociologia como disciplina científica. Os antipositivistas, adeptos da distinção entre ciências humanas e ciências naturais, foram sobretudo os alemães, vinculados ao idealismo dos filósofos da época do Romantismo, principalmente Hegel ( Alemanha em Esturgarda, 1770 – 1831 ) e Schleiermacher ( Polônia em Breslau, 1768 – 1834 ). Os principais representantes dessa orientação foram os neokantianos Wilhelm Dilthey ( Alemanha em Briebrich, Renânia, 1833 – 1911 ), Wilhelm Windelband ( Alemanha em Potsdam, 1848-1915) e Heinrich Rickert ( Alemanha em Danzig, 1863 – 1936 ).

Dilthey estabeleceu uma distinção que fez fortuna: entre explicação (erklären) e compreensão (verstehen). O modo explicativo seria característico das ciências naturais, que procuram o relacionamento causal entre os fenômenos. A compreensão seria o modo típico de proceder das ciências humanas, que não estudam fatos que possam ser explicados propriamente, mas visam aos processos permanentemente vivos da experiência humana e procuram extrair deles seu sentido.

Os sentidos (ou significados) são dados, segundo Dilthey, na própria experiência do investigador, e poderiam ser empaticamente apreendidos por outros em interação com ele conforme a vivência de cada um.

Dilthey (como Windelband e Rickert), contudo, foi sobretudo filósofo e historiador e não, propriamente, cientista social, no sentido que a expressão ganharia no século XX. Outros levaram o método da compreensão ao estudo de fatos humanos particulares, constituindo diversas disciplinas compreensivas. Na sociologia, a tarefa ficaria reservada a Max Weber.

Levando-se em conta os esforços realizados por tantos pensadores, desde a Antigüidade, para entender a sociedade e o seu desenvolvimento, a Sociologia poderia ser considerada a mais velha de todas as ciências, e a mais acolhedora. Tanto que hoje em dia praticamente todo mundo é “sociólogo” — “porque todos estamos sempre analisando os nossos comportamentos e as nossas experiências interpessoais”[1] —, pois, até por razões emocionais, de alguma forma nos acostumamos a contemplar e a dar palpite sobre os movimentos da sociedade, as forças que conduzem os seres humanos, as razões dos conflitos sociais, as origens da família, as relações entre Estado e Direito, o funcionamento dos sistemas políticos, a função das ideologias e das religiões etc. Segundo esse raciocínio, podem ter sido sociólogos os veneráveis santos Agostinho (Tagasta, Numídia ao norte da África, 354 – 430 ) e Tomás de Aquino ( Campânia no sul da Itália, 1225 – 1274 ) e padre Antônio Vieira (Portugal em Lisboa, 1608 - 1697), que interpretavam a realidade social de acordo com os dogmas e interesses da Igreja Católica, bem como os notáveis lbn Khaldun, historiador islâmico ( Tunísia, 1332 – 1406 ) e Maquiavel, que criticavam toda interpretação teológica da sociedade.

Porém, a trajetória da Sociologia no Ocidente, só começa a ser delineada com o movimento político e intelectual conhecido como Iluminismo ( Inglaterra, Holanda e França, 1590 - séc XVII e XVIII ), que exerceu enorme influência no século XVIII, propondo reformas no interesse das classes privilegiadas ( elite ), conforme leis que regeriam ao mesmo tempo a sociedade, o universo e a natureza e a Revolução Industrial ( Inglaterra, 1750 com introdução da máquina a vapor - séc. XVIII em diante ). Em seguida, após a Revolução Francesa ( França, 1789 – 1799 ) e a queda do Antigo Regime ( regime político vigente na França até a Rev. Francesa ) , a Sociologia adquiriu os traços que ostenta hoje em dia, aos poucos destituindo-se da roupagem de ciência ética, de filosofia política ou social, preocupada em determinar uma ordem justa das relações humanas, para concentrar-se na descrição e interpretação dos elementos — desempenhos, grupos, valores, normas e modelos sociais de conduta — que determinam a integração dos sistemas sociais.

Revolução

Século / Ano

Esfera de atuação e impacto

Iluminismo

a partir de 1590, séc. XVII – XVIII

ideológica

Industrial

segunda metade do séc. XVIII ( 1750 )

econômica

Francesa

segunda metade do séc. XVIII ( 1789 )

política

Nesse sentido, a Sociologia é um fenômeno estrito e uma ciência, característica da sociedade moderna.

O termo Sociologie foi cunhado por Auguste Comte, que esperava unificar todos os estudos relativos ao homem — inclusive a História, a Psicologia e a Economia. Seu esquema sociológico era tipicamente positivista, (corrente que teve grande força no século XIX), e ele acreditava que toda a vida humana tinha atravessado as mesmas fases históricas distintas e que, se a pessoa pudesse compreender este progresso, poderia prescrever os remédios para os problemas de ordem social.

O surgimento da sociologia ocorreu num momento de grande expansão do capitalismo, desencadeado pela dupla revolução – a industrial e a francesa. O triunfo da indústria capitalista na revolução industrial desencadeou uma crescente industrialização e urbanização, o que provocou radicais modificações nas condições de existência e nas formas habituais de vida de milhões de seres humanos. Estas situações sociais radicalmente novas, impostas pela sociedade capitalista, fizeram com que a sociedade passasse a se constituir em "problema". Diante disso, pensadores ingleses da época procuraram extrair dessas novas situações temas para a análise e a reflexão, no objetivo de agir, tanto para manter como para reformar ou modificar radicalmente a sociedade de seu tempo. Isto foi fundamental para a formação e a constituição de um saber sobre a sociedade. Outra circunstância que também influenciou e contribui para a formação da sociologia se deve às transformações ocorridas nas formas de pensamento, originadas pelo Iluminismo.

As transformações econômicas que o ocidente europeu presenciou desde o século XVI, provocaram modificações na forma de conhecer a natureza e a cultura. A partir daí, o pensamento deixa de ter uma visão sobrenatural para a explicação dos fatos da natureza e passa a ser substituído pelo uso da razão.

O emprego sistemático da razão representou um avanço para libertar o conhecimento do controle teológico, da tradição, da revelação e para a formulação de uma nova atitude intelectual diante dos fenômenos da natureza e da cultura. Essas novas maneiras de produzir e viver, propiciaram um visível progresso das formas de pensar e contribuíram para afastar interpretações baseadas em superstições e crenças infundadas, abrindo conseqüentemente um espaço para a constituição de um saber sobre os fenômenos histórico-sociais.

Esta crescente racionalização da vida social não era um privilégio somente de filósofos e homens que se dedicavam ao conhecimento, mas também, do homem comum dessa época, que renunciava cada vez mais os fatos submetidos às forças sobrenaturais, passando a percebê-los como produtos da atividade humana, passíveis de serem conhecidos e transformados.

A revolução francesa contribuiu para o surgimento da sociologia na medida em que o objetivo dessa revolução era mudar a estrutura do Estado monárquico e, ao mesmo tempo, abolir radicalmente a antiga forma de sociedade; promover profundas inovações na economia, na política, na vida cultural, etc; além de desferir seus golpes contra a Igreja. Tais atitudes ocasionaram profundos impactos, causando espanto aos pensadores da época e à própria burguesia, já instalada no poder. Diante disso, esses pensadores se incumbem à tarefa de racionalizar a nova ordem e encontrar soluções para o estado de "desorganização" então existente. Mas, para estabelecer esta tarefa seria necessário, segundo eles, conhecer as leis que regem os fatos sociais e instituir uma ciência da sociedade.

Assim, pensadores positivistas da época concluíram que, para restabelecer a organização e o aperfeiçoamento na sociedade, seria necessário fundar uma nova ciência. Essa nova ciência assumia, como tarefa intelectual, repensar o problema da ordem social, ressaltando a importância de instituições como a autoridade, a família, a hierarquia social, destacando a sua importância teórica para o estudo da sociedade. A oficialização da sociologia foi, portanto, em larga medida, uma criação do positivismo que procurará realizar a legitimação intelectual do novo regime.

Foram as idéias desenvolvidas por incontáveis homens e mulheres, ao longo da história humana, que começa na Mesopotâmia e no Egito a mais de quatro mil anos antes do nascimento de Cristo, que reunidas, trabalhadas e revistas, formaram o que hoje temos como CONHECIMENTO em todas as áreas da vida.

A Sociologia foi o resultado da união de inúmeros pensadores, nas diversas partes do mundo. Alguns se conheciam, muitos outros nunca se viram. Uns complementando outros, até formar o que conhecemos como ciência sociológica ou ciência da sociedade ou Sociologia. Destes tantos, quatro pensadores foram responsáveis por estruturar os fundamentos da Sociologia possibilitando criar três linhas mestras explicativas, fundadas por eles e aos quais iremos estudar com mais profundidade:

1) a Positivista-Funcionalista, tendo como fundador Auguste Comte e seu principal expoente clássico Émile Durkheim ( França, 1858 – 1917 ), de fundamentação analítica;

2) a Sociologia Compreensiva iniciada por Max Weber ( Alemanha, 1864 – 1920 ), de matriz teórico-metodológica hermenêutico-compreensiva; e

3) a Sociologia dialética, iniciada por Karl Marx ( Inglaterra, 1818 – 1883 ) que mesmo não sendo um sociológo e sequer se pretendendo a tal, deu início a uma profícua linha de explicação sociológica.

Como fazer ciência ? Com OBJETO e MÉTODO



[1] TURNER, 2000